quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SALVO DE PROCESSO DISCIPLINAR PELO MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Pai queria que ele fosse contabilista
  

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Ainda estava no primeiro ano do curso de Finanças, Cavaco Silva sentiu-se iluminado por uma grande certeza: julgou ter encontrado um esquema infalível para acertar na chave do Totobola. As dúvidas com que os colegas de curso receberam a descoberta não o demoveram. Aníbal estava determinado em provar que não estava enganado.

Ganhou três contos, o que na época correspondia a dois meses de salário de um funcionário público de topo. Mas ao fim de meses de apostas perdeu o que ganhou – e desistiu.

Aníbal Cavaco Silva partiu da Fonte de Boliqueime, no Algarve, para continuar os estudos na capital, em 1957. Tinha 16 anos e o curso da Escola Comercial. Sonhava ser contabilista. É o segundo dos quatro filhos de Maria do Nascimento e Teodoro Silva, homem que fez uma pequena fortuna a trabalhar em França e, depois, com vários negócios, como casa de pasto, bomba de gasolina, compra e venda de frutos secos, camionagem, construção civil. O filho do senhor Teodoro contava, em Lisboa, com 900 escudos por mês – o que lhe dava para comer e dormir em pensões manhosas do Bairro Alto e de Alfama.


Matricula-se no Instituto Comercial para o curso de contabilista. Mas resolve ir mais além e seguir Ciências Económicas e Financeiras. Falta-lhe a disciplina de Filosofia, que ele nunca teve na Escola Comercial e é agora necessária. Aníbal ouve falar de um professor de liceu que ganha a vida como explicador – conhecido como ‘Professor Pardal’, que em escassos dois meses o preparou para o exame.


Entra no Instituto Superior de Economia em 1961. Os pais, preocupados com a péssima alimentação e a saúde do filho, tiram-no das pensões de má fama. Aníbal passa a ser hóspede de um casal algarvio, amigo da família, num espaçoso andar de Campo de Ourique. Os donos da casa são tios de Maria Alves – e ele encontra lá a futura mulher, meses mais velha, aluna de Germânicas, na Faculdade de Letras.



Casam-se ainda ele vai no último ano do curso. A tropa não lhe concede adiamento e é mobilizado para Moçambique. Aníbal e Maria dão o nó, em 20 de Outubro de 1963, na Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, para puderem ir juntos para Lourenço Marques. Regressam à Metrópole, Cavaco Silva termina o curso e fica como assistente do professor Alves Martins. Em 1971, já com os dois filhos, Patrícia e Bruno, a família vai para Inglaterra, onde na Universidade de York, com uma bolsa da Fundação Gulbenkian, Cavaco faz o doutoramento. 



PROFESSOR CONTESTADO EM FINANÇAS PÚBLICAS

A contestação política que a partir de 1968 agita as universidades portuguesas abate-se sobre Cavaco Silva. No Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), onde é assistente da cadeira de Finanças Públicas, o remoinho da crise estende-se ao campo científico. Cavaco Silva é contestado. Introduz na cadeira os testes à americana – a gota de água que leva à revolta dos alunos. A matéria debitada parece assentar como uma luva na ideologia do regime. Numa das aulas a turma de Ferro Rodrigues põe em dúvida a eficácia do método de avaliação e a ciência do assistente.


Cavaco fica à beira de um desmaio – e um contínuo traz-lhe um copo de água. Mais tarde, em 1975, os alunos riem-se a bandeiras despregadas com um ensinamento do professor. “Vocês vão ver. Um dia, hei-de ser primeiro-ministro”, respondeu-lhes Cavaco.


SALVO DE PROCESSO DISCIPLINAR PELO MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Cavaco Silva, em 1978, acompanha um grupo de professores que abandona o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Discordam da orientação pedagógica na escola. Entre eles, Alfredo de Sousa, Abel Mateus, António Girão, Manuel Pinto Barbosa. Fundam a Faculdade de Economia da Universidade Nova. Em 1985, já então líder do PSD, Aníbal Cavaco Silva é alvo de um processo disciplinar – por iniciativa do director da Faculdade, Alfredo de Sousa, que acusa o professor Cavaco Silva de não ter cumprido, por faltas, as suas obrigações académicas.


O Governo do Bloco Central, chefiado por Mário Soares, dá as últimas. O ministro da Educação, João de Deus Pinheiro, evita a nódoa na carreira de Cavaco Silva: concede-lhe uma licença sem vencimento e as faltas são esquecidas.


SÁ CARNEIRO LEVA-O PARA O GOVERNO

Cavaco Silva é convidado por Silva Lopes e Vítor Constâncio, em 1977, para director do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal. Já tinha dado por encerrada uma breve colaboração como colunista do jornal ‘O Dia’, em cujas páginas disserta sobre os perigos do défice público e da estatização da economia.


Francisco Sá Carneiro, líder do PPD, vencedor das eleições legislativas de 1979, forma o VI Governo Constitucional – e, por sugestão de Loureiro Borges, vice-governador do Banco de Portugal, convida-o para ministro das Finanças e do Plano. É nesta altura que Cavaco Silva sente na pele a truculência do general Carlos Azeredo – por carta. O cabo de guerra escreve-lhe a desancá-lo pela escassez de dinheiro para investir na modernização das Forças Armadas. Mas o que mais incomodou Cavaco foi o último parágrafo da carta: “Saiba você que o material mais novo do Exército é o meu cavalo – e mesmo esse já tem 20 anos”.


O ministro tomou isto como uma ofensa. Mais tarde, já como primeiro-ministro e com Mário Soares em Belém, Cavaco Silva cruza-se com o general, chefe da Casa Militar do Presidente. Azeredo diverte-se com provocações. Ao ponto de Cavaco queixar-se a Soares das “inconveniências” do general.



CRONOLOGIA

1939
Aníbal Cavaco Silva nasce ao princípio da manhã de 15 de Julho no lugar da Fonte, freguesia de Boliqueime, como diz a certidão de nascimento.


1957
Termina o Curso Comercial. Parte para Lisboa com o sonho de ser contabilista e inscreve-se no Instituto Comercial.


1959
Inicia o curso de Finanças, que interrompe em 1962 para cumprir o serviço militar, falta-lhe um ano para a licenciatura.


1963
Casa-se com Maria Alves, em 20 de Outubro, na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. O casal embarca para Lourenço Marques. Cavaco Silva termina o curso no ano seguinte. É convidado para assistente. Em 1971, a família e os dois filhos estão em Inglaterra. Faz o doutoramento em York.


1985
Eleito presidente do PSD. Será primeiro-ministro durante os dez anos seguintes.

1 comentário:

  1. Falta dizer que o senhor não é ingrato. Assim que chega ao Governo nomeia o seu salvador - João de Deus Salvador Pinheiro - para ministro da Educação (sendo o único que transita do Governo - (que ele considerava o) mais incompetente de sempre - de Mário Soares. Começou por aqui para não dar nas vistas. Quando a poeira assentou, ofereceu-lhe o melhor tacho de Portugal: comissário de Portugal na CEE.
    Assim o homem mais sério de Portugal pagou (com o nosso dinheiro) um favor que lhe foi feito prejudicando o dinheiro de todos nós: ainda hoje ele recebe a reforma a que não teria direito devido ao desfecho do seu processo disciplinar -o despedimento da função pública.
    anónimo

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